Contém spoilers de Sex and the City, só avisando (T. 3, Ep. 16)
Não sei se você já assistiu Sex and the City - eu lembro de assistir alguns episódios quando era bem novinha (será se fui influenciada pela Samantha, sim ou com certeza?) e estou achando interessantíssimo assistir agora, com um olhar adulto e problematizador, é claro.
Hoje vamos falar sobre como nossa sociedade separa as mulheres em “pra casar”e “pra transar” e por que isso é um problema.
Estou na parte em que a Charlotte acabou de se casar com o Trey. Pra quem não sabe, a Charlotte é a “boazinha” (chatíssima) do grupo. A que sempre sonhou em se casar, ter uma família margarina, não fala palavrão e é a primeira a julgar qualquer comportamento liberal como vulgar. Só que essa princesa se casou com um broxa. E de repente o sexo passou a ser importante em sua vida.
Ela tentou todas as técnicas de sedução, empenhada em fazer a pipa subir. Tentou conversar sobre o assunto com o marido, enquanto ele sempre se esquivava do assunto, atribuindo zero importância à sua própria paumolescência.
Meses de tesão acumulado se passaram para a Charlotte, até que numa noite ela acordou com sons estranhos vindo do banheiro. Os grunhidos eram, nada mais, nada menos, do que seu marido se masturbando com a revista Peitões.
Boa notícia: o negócio funciona.
Má notícia: continua não funcionando com ela.
Como proceder?
Confesso que, no momento em que escrevo este texto, ainda não assisti o próximo episódio, então realmente não sei o que acontece. Maaas tenho meu palpite, principalmente com base em algo que o próprio Trey falou.
Em determinado momento, Charlotte decidiu buscar ajuda profissional e os dois vão juntos para terapia de casal. Como lição de casa, ambos foram orientados a deitar lado a lado e compartilhar com o outro uma fantasia sexual. Charlotte tomou a iniciativa e narrou sua fantasia, a qual podemos chamar de fantasia em todos os sentidos, pois descreveu a si mesma como uma fada princesa montada num unicórnio (insuportável, eu sei). Trey se mostrou incomodadíssimo com isso, não conseguiu compartilhar sua fantasia e, olha só, chamou sua esposa de “princesa”.
Há algo que acontece em relacionamentos, principalmente quando há muita pressão para performar papéis sociais impecáveis: a dificuldade em enxergar a mulher como… mulher! No sentido de fêmea, no sentido erótico da coisa.
Às vezes essa dificuldade parte da própria mulher, especialmente após uma gestação, quando olha para si e não consegue se encontrar. Às vezes, parte do parceiro, que ao enxergar a esposa como “mãe de seus filhos” esquece de como aqueles filhos foram gerados, para começo de conversa.
O nosso estudo de caso de hoje é um pouco mais raro, mas acontece. Trey é um homem com dificuldade para integrar o seu lado social, de homem bem sucedido, bem casado e, de certa forma, bem romântico, com seu lado erótico e instintivo. É como se seu desejo fosse muito feio e sujo, não combinasse com sua vida imaculada. Muito menos com sua esposa imaculada. O erotismo e o romantismo estão completamente separados em sua vida.
Numa outra fala com o terapeuta, ele explica que aquilo (a punheta) foi só para liberar a tensão, “não tem nada a ver com a Charlotte”. Como você já sabe, por aqui somos completamente a favor da masturbação, porém se há muito treino e nenhum jogo, isso pode indicar um problema.
Os nossos desejos não são bonitos. Teimosos, se recusam a seguir normas sociais. Não podemos escolher o que nos deixa com tesão, nossa tarefa é integrar e explorar nossas vontades, dentro dos limites de consensualidade dos envolvidos, é claro. Nem sempre é uma tarefa fácil. E sem comunicação é impossível.
Ao invés de se abrir com a esposa, Trey prefere se esquivar e se masturbar escondido. E eu entendo, de verdade, provavelmente nem ele mesmo compreende o que há de errado; sem informação e repertório, ainda mais quando falamos de gerações anteriores à nossa, não há como assimilar essa contradição, muito menos como expressá-la.
Ainda assim, temos uma esposa que, apesar de considerar o sexo secundário numa relação, está insatisfeita e com vontade de vivenciar sua sexualidade ao lado do homem que escolheu. Para tanto, Trey precisará estar aberto a incluir sua esposa em sua vida sexual. Talvez Charlotte possa ajudar, assumindo uma persona diferente na cama, só que isso também depende do Trey se abrir mais acerca do que desperta o seu desejo. E depende da Charlotte estar disposta a expandir seu repertório erótico… E na real talvez tudo se resolva se a Charlotte colocar silicone.
Brincadeira, não acho que um silicone seja capaz de resolver tudo, a única certeza que eu tenho é que esse casal precisa deixar de lado algumas crenças e expandir os seus conceitos.
Vamos aguardar os próximos episódios! Até lá, fica a minha recomendação para você integrar os seus desejos, até os mais estranhos, na sua vida conjugal. E recomendo assistir Sex and the City também, para eu ter com quem comentar os absurdos da TV nos anos 90.